December 07, 2007

Que eu tenho uma certa obsessão com culinária, todo mundo já sabe. Por isso, quando descobri que o Hervé This ia fazer uma demonstração de gastronomia molecular aqui na cidade, fui correndo me inscrever para a palestra.

Para uma audiência heterogênea, que incluiu até o Johannes van Dam - o crítico de restaurantes mais famoso daqui - This explicou o universo de possibilidades que se abre com seu trabalho de pesquisa, iniciado há vinte anos : destrinchando os ingredientes ao nível mais básico (a estrutura celular e molecular), entendendo como se comportam sob determinadas condições e relacionando tudo isso aos processos de preparo, o número de combinações desses building blocks torna-se incontável. De repente, depois de séculos comendo basicamente os mesmos alimentos, preparados do mesmo jeito, podemos agora brincar com a sua estrutura, alterando textura, sabor, forma. O resultado pode não ser palatável sempre, nem nutritivo - mas tudo depende de como for utilizado. E de qualquer forma, This considera a culinária uma arte, e a gastronomia molecular uma forma de prover um espectro mais amplo de possibilidades. E, a julgar pelos seus seguidores - Ferran Adrià, Heston Blumenthal, Pierre Gaignaire, Wylie Dufresne - ele tem razão.

O único problema foi o tempo escasso, e a apresentação foi espremida em uma hora, mas pelo material que ele tinha disponível, poderia ter se estendido pelo menos por umas três ou quatro. Quem não tinha um certo background sobre culinária ou química deve ter boiado um pouco entre as citações de emulsões, suspensões, fórmulas estruturais e nomes fundamentais para a história da comida, como Carême e Parmentier, mas acho que a idéia geral ficou.

É coisa de cientista maluco? É, mas acho interessantíssimo. Porque afinal, cozinhar é uma série de processos químicos e físicos - quanto mais controle sobre eles, mais precisos os resultados. Quanto mais você entende o funcionamento de algo, melhor é o seu aproveitamento. Quanto mais conhecimento sobre um elemento, ou um processo, mais segurança você tem em desviar do caminho normal e descobrir novidades. Um dos meus chefs favoritos, o Heston Blumenthal citado acima, é um que leva esse estudo ao pé da letra. Ele fez duas séries de TV, uma explorando a base da química na cozinha (Kitchen Chemistry), onde ele demonstra o porquê de vários fatos culinários e como ele chegou às suas idéias mais conhecidas (e polêmicas), como o sorvete de ovos com bacon, ou bolo de chocolate com gorgonzola. Na mais recente, In Search of Perfection, ele usa a ciência como forma de obter a execução mais perfeita de pratos clássicos da culinária britânica. Ambos são muito interessantes, e bem esclarecedores.

O Adrià tem o mérito de ter tornado a culinária molecular conhecida no mundo todo, e colocado a Espanha como símbolo de criatividade e vanguarda - mas o lado marqueteiro dele me irrita e sim, sinceramente, esvazia o que ele criou até agora. Francamente, batata chips, fast food e produtos com o nome dele são iniciativas vergonhosas de faturar um apelando para os fetichistas de marcas. São coisas que obviamente não têm valor criativo, apenas comercial - uma espécie de consolo para quem não pode ter the real thing.

E por isso mesmo, eu curto demais o Wylie Dufresne. Os pratos do wd-50 que experimentei oscilam entre o genial e o medíocre, mas você sabe que ele está na cozinha e adora o que faz, sempre tentando ultrapassar o próximo limite. O restaurante fica numa rua sombria, longe de badalações, e o chef tem uma personalidade discreta e sim, meio de cientista. Maluco.

4 comments:

lisa said...

interessante mesmo isso. não entendo de comida, mas uma vez acompanhei um programa na tevê que passava em chicago. parece que a cidade é referência de tão experimental nessa área. fiquei curiosa. tem uns restaurantes animais por lá. não sei como é em ny, pq lá tem tudo. mas chicago pareceu uma aventura gastronômica bem rica com esse monte de restaurantes que exploram essa coisa de gastronomia molecular. não sei se é coisa de nerd, mas fiquei louca pra explorar. rs. pricipalmente o sushi de papel e o sorvete quente que fica gelado na boca.

Anonymous said...

E eu aqui humirdemente comprando um livrim de receitas com legumes e verduras... o.Ô

Andrea Drewanz said...

Caramba! Já tinha lido sobre o Adrià, mas este precursor dele (Hervé This)nunca ouvi nada a respeito.
Provavelmente eu seria uma das que ficaria boiando no assunto, apesar de gostar muito de culinária.
Estes dias estava conversando com uma amiga sobre a Nigella, e disse gostar muito do programa dela. Esta amiga, que entende muito de gastronomia, disse que ela era a maior enganadora. Nem acreditei! Mas ela garantiu...disse que quem conhece culinária a fundo percebe que a Nigella não conhece muita coisa.

Bjo

Annix said...

lisa, esse restaurante do papel comestível é o Alinea - tb super vanguarda.

Déia, o Hervé This é químico, não cozinheiro. Mas os chefs de vanguarda todos leram os livros dele e do Harold McGee.

Ué, e a Nigella é ótima no campo dela - cozinha simples pra não-profissionais. O mesmo papel que a Ofélia tinha. Ela não tem de conhecer a fundo, acho que nunca se propôs a ser uma chef estrelada. Exatamente como o Jamie Oliver...